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dentista e o autista

O consultório do dentista e o autista

A ida ao consultório do dentista pode ser bem delicada para os pequenos autistas. Como podemos melhorar esse momento?

Índice

*Artigo de autoria de Mayra Gaiato, Nathalia Barbosa e Priscila Silva.

A relação entre o consultório do dentista e o autista pode ser bem delicada para os pequenos. Como podemos tornar o atendimento odontológico mais tranquilo, receptivo e confortável para essas crianças? É o que aprenderemos hoje!

Quem nunca se arrepiou ao ouvir o famoso (e temido) barulhinho da caneta de alta rotação do dentista? Pois é! Se esse som bem característico de um consultório de dentista consegue assustar os adultos, que compreendem o benefício e a importância das consultas odontológicas, imagine como é para os pequenos que ainda não entendem tudo isso?

Agora, pense como essa situação é para as crianças autistas, considerando que elas podem ter outras questões, dificuldades e desregulações envolvidas?

Essa insegurança que envolve o dentista e o autista foi bem colocada no estudo “Atenção bioética à vulnerabilidade dos autistas: A odontologia na estratégia da saúde da família”, que saiu em 2015, na Revista Latino-americana de Bioética. No texto, os autores citam a importância da postura do dentista ao receber um paciente que está com receio:

O “medo” e os “traumas” serão sempre uma questão frequente em qualquer intervenção odontológica, presente nos tratamentos de adultos e crianças, com ou sem necessidades específicas. O que, portanto, sempre irá exigir dos cirurgiões dentistas habilidades que irão além de suas capacidades técnicas. A observação das angústias e medos dos pacientes influenciará diretamente em qualquer atendimento e não poderá ser ignorada.”

(David Amaral, L., Fabiano de Carvalho, T. y Barreto Bezerra, 2016.)

Por que autistas têm mais desconforto no dentista?

É natural dos seres humanos terem medo daquilo que não lhes é familiar. Além disso, dentro do espectro autista existem algumas questões sensoriais específicas que podem afetar a realização de certas tarefas. Ou seja, as idas ao dentista podem ser mais desagradáveis para as crianças autistas do que para as que não estão no espectro.

O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua 5ª edição, também conhecido como DSM-5, é onde profissionais da saúde mental se baseiam para compreender e avaliar possíveis diagnósticos. De acordo com esse manual, existem vários comportamentos e características relacionados ao autismo.

Além dos padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e/ou atividades, fala-se também sobre a possível presença de Hiper ou Hiporreatividade a estímulos sensoriais, ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente. É justamente esse transtorno de processamento sensorial que pode ser um dos fatores a tornar os incômodos com as consultas odontológicas ainda maiores.

As crianças tidas como hipersensíveis são as que tem uma dimensão maior das sensações, seja do estímulo auditivo (o barulho), tátil (sensação física), visual (luzes), gustativo (sabores), olfativo (cheiros) ou sensorial em sua totalidade. Quando falamos sobre o ambiente do consultório, teremos todas essas sensações acontecendo de forma intensa e diferente do que elas estão acostumadas.

Por exemplo: elas vão sentir o gosto e o cheiro dos produtos, aparelhos e medicações. Além disso, terão uma luz forte apontada para o rosto, vão ouvir sons desconhecidos, sem contar as sensações táteis na própria boca. Quase um filme de terror, não é mesmo?

dentista e o autista

Maiores dificuldades dos dentistas no atendimento de crianças autistas

Seguindo dentro das possibilidades aversivas que existem nesse ambiente, também podemos lembrar das questões comportamentais no TEA, ou seja, a rigidez comportamental! O pequeno será retirado da sua rotina para fazer caminhos diferentes, que o levam a um lugar desconhecido e com pessoas diferentes das que estão acostumados.

Em uma aula com Mayra Gaiato na Holanda, odontologistas trouxeram suas dificuldades em receber crianças autistas em seus consultórios. Algumas questões levantadas foram:

  • Desorganização das crianças;
  • Agitação;
  • Discurso desorganizado;
  • Desordenar os materiais;
  • Parecer ignorar o que você diz;
  • Complicações sensoriais;
  • Traumas e medos anteriores.

Devido a todos esses desconfortos para a criança, a família e até eles próprios, os profissionais contaram estar recorrendo às sedações, mas que gostariam de evitar esse procedimento e aprender a conduzir as crianças de melhor forma.

Pensando nisso, somamos a visão de toda a nossa equipe experiente, usando de forma colaborativa toda a técnica existente na Análise do Comportamento, para auxiliar pais e profissionais a entenderem a fundo como funciona essa ida ao consultório e como ela pode ser melhorada.

Dicas para o encontro do dentista e o autista

Antecipando a ida ao consultório, os pais podem tornar o dia mais concreto com a ajuda de alguns recursos:

1) Histórias sociais que explicam a visita ao dentista;

2) Figuras com o passo a passo da consulta;

3) Recorrer ao jogo simbólico (simular a consulta em bonecos, pelúcias ou figuras de boca);

4) Usar fone para abafar o som do consultório ou dessensibilizar a criança previamente, colocando-a para ouvir o som do “motorzinho” e usando onomatopeias para exemplificar.

A prevenção é muito importante. Segundo estudos feitos na faculdade de medicina da Bahia, Camila Marcelino Dias Santos citou em seu trabalho que autocuidado oral é indispensável para o sucesso do tratamento odontológico. Ou seja, cuidadores precisam participar e auxiliar na manutenção da saúde bucal, não se concentrando apenas no tratamento odontológico curativo, de modo a não gerar mais estresse e idas ao dentista que poderiam ter sido evitadas.

Pensando neste cuidado preventivo, Adriana Gledys Zink (especialista em odontologia e autismo) e Eder Cassola Molina (professor da USP) criaram uma cartilha com apoio visual para higiene bucal, facilitando o processo para crianças autistas criarem um hábito de higiene bucal. O Instituto Singular também tem uma carta de rotina que pode ajudar os pais nessa missão.

Dicas para dentistas tornarem o momento mais receptivo

Aos profissionais, podemos dizer que levantar informações sobre a criança antes da consulta é de grande ajuda. Procure saber quais coisas/desenhos/personagens ela gosta! Dessa forma, podemos citar o que é possível trabalhar nesse sentido:

1) Formulário para coletar dados importantes, como preferências e aversões para que você possa se planejar;

2) Pontualidade, para não gerar mais ansiedade e desconforto na criança;

3) Dessensibilizar o ambiente. Isto é, antes da consulta, os pais podem levar a criança ao consultório para se vincular com o profissional e o ambiente. Neste dia, seria interessante reforçar a ida como algo que a criança goste e explicar o trabalho com uso de figuras e materiais concretos;

4) Deixe a criança explorar e observar o ambiente. Assim, é possível verificar possíveis incômodos com luzes e sons. Essa também é uma boa forma de identificar quais os interesses dela, observando o que chama atenção e não esquecendo de nomear os itens conforme ela for olhando e tocando.

5) Reforce abordagens sucessivas: esta técnica pode ajudar muito o dentista a conduzir crianças autistas no consultório. Ela consiste em aproximar de forma gradativa o que se pretende, realizando passo a passo as ações. Por exemplo: se a criança precisa se submeter a tratamento odontológico, é necessário que ela emita uma sequência de comportamentos:

  1. Sentar na cadeira – dar o reforço positivo;
  2. Boca aberta por 10 segundos – reforço positivo;
  3. Deixar colocar espelho – reforço positivo. Dessa forma ela se manterá engajada em todo o processo. Aqui podemos usar esse método para dessensibilizar barulhos, toques etc.;

6) Sempre associe algo agradável e positivo após cada passo difícil para a criança. Pode ser brincar com um dispositivo por alguns segundos, caminhar, pular, brincar com um brinquedo, etc.;

7) Observe o paciente no processo, respeitando seus limites e de forma alguma constrangendo ou forçando ele nesse momento;

8) Use um cronômetro: quando o tempo acabar, pare imediatamente o que está fazendo. Use alguns segundos e sempre cumpra o acordo para não perder a confiança da criança. É interessante usar um cronômetro que emita um som quando termina – então o tempo acaba por causa do sinal e não porque o dentista o deseja;

9) Sempre responda as perguntas com a verdade e evite abstrações. “É uma agulha?” Sim. Essa é a verdade. “Isso machuca?” Pode ser doloroso, mas eu estarei aqui com você. Não é um animalzinho que dá uma mordida. É uma seringa, pode incomodar e está tudo bem;

10) Fale e explique em poucas palavras. Uma das dificuldades mais comuns em pessoas autistas é a atenção compartilhada. Uma técnica é o say-show-do, que traduzido seria falar-mostrar-fazer;

11) Sempre mostre e explique o que você vai fazer e quais ferramentas irá usar. Uma dica é: antes de realizar o procedimento ena criança, demonstre-o em um brinquedo e, se ela se sentir confortável, convide-a para fazer junto com você – como na imagem abaixo;

dentista e o autista

12) Tenha uma imagem que significa PARAR. Ensine que, quando ela usar ou apontar para a imagem, qualquer procedimento será interrompido. Pratique antes, pois isso evita movimentos bruscos. Inclusive, a família pode ajudar nisso em casa;

13) Ambiente e decoração: o local pode ser um pouco assustador para os pequenos. Sendo assim, uma dica legal é decorar o ambiente com objetos que a criança gosta! Alguns dentistas também usam fantasias. A primeira emoção da criança neuroatípica ao chegar no consultório do dentista é o medo, por isso o ambiente deve ser tranquilo e aconchegante.

“O desenvolvimento de boas relações entre profissional e paciente reduz a ansiedade e melhora a compreensão. O profissional utilizando os pontos fortes do paciente autista ao invés de pontuar suas fraquezas, pode aumentar o controle da situação.”

(David Amaral, L., Fabiano de Carvalho, T. y Barreto Bezerra, 2016.)

Lembre-se: a paciência é essencial

É de extrema importância que todos os envolvidos compreendam e respeitem os limites de nossas crianças. Como citamos no início deste artigo, é preciso considerar e respeitar as questões sensoriais de cada um. Não force o paciente a ficar caso ele se sinta desconfortável – nem mesmo por 2 segundos!

Se a criança já tiver acompanhamento com terapeuta ocupacional e já for diagnosticada como hipersensível, achamos importante o acompanhamento desse profissional. Dessa forma, poderá ser realizado um exercício prévio afim de trabalhar a visita ao dentista.

Mayra Gaiato deu uma aula sobre estratégias naturalistas para odontologistas aplicarem em seus atendimentos de crianças com autismo. Veja no vídeo abaixo:

Por fim, a dica mais importante: tenha paciência. O processo pode parecer longo, mas quando realizado com cuidado e sensatez, a ida ao dentista pode se tornar mais fácil e divertida para todos. O atendimento dos pacientes autistas deve ser feito de forma lúdica, com o dentista criando situações de aprendizagem no momento da consulta.

“A confiança é imprescindível e o profissional não deve nunca quebrar esse vínculo. Não se deve ter medo de ousar, mas sim confiar, estudar a técnica e aplicá-la com amor e carinho; podendo ser utilizados aplausos, bolinhas de sabão e/ou outras tentativas até encontrar o que realmente o paciente goste, em busca do contato visual, pois esse será o caminho de comunicação”.

(Camila Marcelino Dias Santos, 2019)

Referências

Adriana Gledys Zink Higiene bucal para pessoas com TEA (2018). Disponível em https://www.iag.usp.br/~eder/autismo/Cartilha-HIGIENE%20BUCAL-final.pdf

Camila Marcelino Dias Santos (2019). Manejo de pacientes com transtorno do espectro autista em odontologia. Bahiana: escola de medicina e saúde pública. Disponível em: https://www7.bahiana.edu.br/jspui/bitstream/bahiana/3870/1/TCC%20CAMILA%20DIAS%20SANTOS.pdf

David Amaral, L., Fabiano de Carvalho, T. y Barreto Bezerra, A. C. (2015). Atenção bioética à vulnerabilidade dos autistas: a odontologia na estratégia da saúde da família. Revista Latinoamericana de Bioética, 16(1), 220-233. DOI: https://dx.doi.org/10.18359/rlbi.1465

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