Você já percebeu como às vezes só de dizer “estou com raiva” ou “isso me deixou triste” parece que algo dentro de você se acalma? Mesmo sem tentar mudar o que sentimos, o simples ato de nomear emoções pode gerar um efeito surpreendente de alívio e clareza.
Por muito tempo, acreditou-se que regular emoções exigia esforço consciente; pensar diferente, distrair-se, afastar-se. No entanto, pesquisas recentes mostram que colocar sentimentos em palavras é uma forma eficaz, embora sutil, de regulação emocional.
Este artigo explora o conceito de nomear emoções como um processo de regulação implícita. Vamos entender como isso funciona, por que tem efeitos tão profundos no corpo e no cérebro, quais os possíveis mecanismos por trás desse fenômeno e quais são os caminhos futuros para sua aplicação na saúde mental e no cotidiano.
O que significa “nomear emoções”?
Nomear emoções, também conhecido na literatura científica como affect labeling, é o ato de identificar verbalmente um estado emocional, seja em si mesmo, em outra pessoa ou em um estímulo visual (como uma imagem ou uma cena emocionalmente carregada).
Isso pode acontecer de várias formas: ao dizer “estou ansioso”, ao escrever sobre sentimentos em um diário ou até ao escolher uma palavra que melhor descreva a emoção de alguém que você observa.
À primeira vista, nomear emoções pode parecer um gesto pequeno demais para ter impacto. Afinal, não estamos tentando mudar nada: só estamos reconhecendo. Mas é justamente aí que mora o poder desse processo. Nomear emoções regula a emoção sem parecer que estamos regulando, e isso o torna uma ferramenta potente e acessível; mesmo para quem não tem formação em saúde mental ou prática em estratégias terapêuticas.
Nomear emoções é uma forma de regulação emocional?
Sim. Embora não envolva um esforço como outras estratégias, como a reavaliação cognitiva, o impacto de nomear emoções é mensurável e comparável. Estudos mostram que esse processo influencia quatro domínios centrais da resposta emocional: experiência subjetiva, ativação fisiológica, atividade cerebral e comportamento.
Redução da intensidade emocional sentida
Esses estudos demonstraram que, ao nomear emoções, as pessoas relatam sentir menos intensidade emocional, tanto em respostas negativas quanto positivas. Em experimentos com imagens desagradáveis, por exemplo, os participantes que nomeavam os sentimentos provocados pelas imagens relataram menos desconforto do que aqueles que apenas observavam.
Esse efeito também se mostrou correlacionado com outras estratégias de regulação emocional, como a reavaliação, sugerindo que os dois métodos compartilham mecanismos comuns. Ou seja, mesmo que a pessoa não esteja tentando conscientemente “se acalmar”, o simples ato de verbalizar ou rotular a emoção já potencializa seu impacto.
Efeitos fisiológicos imediatos e retardados
Nomear emoções também tem efeitos no corpo. Medidas como frequência cardíaca, condutância da pele e outros marcadores de excitação autonômica diminuem significativamente após a rotulagem afetiva. Em algumas situações, essa redução é imediata; em outras, os efeitos surgem dias depois, especialmente quando as emoções são verbalizadas espontaneamente e não a partir de palavras fornecidas.
Um exemplo interessante vem de pacientes com fobias específicas. Em um estudo com pessoas que temem aranhas, aquelas que nomearam suas emoções durante uma exposição ao animal tiveram menos resposta fisiológica na sessão seguinte do que aquelas que usaram distração, reavaliação ou apenas exposição sem nomeação.
Alterações na atividade cerebral
O cérebro também mostra mudanças consistentes durante o processo de nomear emoções. A atividade da córtex pré-frontal ventrolateral (vlPFC) aumenta (região associada ao controle cognitivo e à tomada de decisões), enquanto a atividade na amígdala, responsável pela geração de respostas emocionais intensas, diminui.
Essas conclusões sugerem que, ao nomear emoções, o cérebro ativa circuitos de autorregulação, mesmo sem intenção consciente. Mais ainda, modelos computacionais demonstram que é justamente o aumento da atividade no vlPFC que causa a diminuição da reatividade na amígdala.
Mudanças comportamentais observáveis
Nomear emoções também afeta o que fazemos. Pessoas que usam essa estratégia demonstram menos comportamentos impulsivos, mais engajamento em terapias de exposição e até melhor desempenho em testes quando escrevem sobre suas ansiedades antes da prova.
Em adolescentes, por exemplo, o uso de diários eletrônicos para registrar sentimentos foi associado à redução de comportamentos de evitação e maior clareza emocional percebida pelos pais.
Nomear emoções é regulação implícita: o que isso significa?
A grande surpresa em torno do ato de nomear emoções é que ele funciona mesmo quando a pessoa acredita que não vai funcionar. Em estudos, participantes previam que reavaliar uma imagem emocional reduziria seu sofrimento; o que de fato ocorreu. Mas, quando previam os efeitos de nomear emoções, esperavam sentir mais sofrimento, apesar de, na prática, terem se sentido melhor após nomeá-las.
Esse desencontro entre expectativa e efeito real caracteriza o que chamamos de regulação emocional implícita. Ou seja, o processo regula as emoções sem que o indivíduo tenha consciência de estar fazendo isso. Não é necessário ter a intenção de “controlar a emoção”. O efeito ocorre quase automaticamente, desde que a emoção seja reconhecida e verbalizada de forma consciente.
Ainda assim, nomear emoções exige esforço cognitivo. É preciso acessar o sentimento e traduzi-lo em palavras. Isso torna a estratégia diferente de mecanismos puramente automáticos, como a habituação ou a extinção de medo. É um tipo híbrido: requer esforço, mas não depende da intenção explícita de se autorregular.
Hipóteses de como nomear emoções funcionam:
Os mecanismos exatos ainda não são totalmente compreendidos, mas há várias teorias promissoras.
1. Distração
Uma possibilidade é que nomear emoções funcione por desviar a atenção do estímulo aversivo. No entanto, estudos controlados com tarefas similares (como rotular o gênero de uma pessoa na imagem) mostram que só o conteúdo emocional das palavras provoca o efeito regulador, ou seja, não é qualquer distração que funciona.
2. Autorreflexão
Nomear emoções requer introspecção. A necessidade de identificar e reconhecer um sentimento pode ativar regiões cerebrais associadas à atenção plena e ao autoconhecimento. Isso poderia explicar por que pessoas com maior nível de mindfulness se beneficiam mais dessa prática.
Porém, essa hipótese enfrenta um desafio: nomear emoções de outra pessoa ou de uma cena externa também reduz a reatividade emocional. Assim, parece que mesmo quando o foco está fora do “eu”, há um tipo de autorreferência implícita envolvida.
3. Redução da incerteza
Rotular uma emoção ambígua pode reduzir a incerteza e, com isso, diminuir a atividade da amígdala — que responde fortemente a estímulos incertos. Isso explicaria parte dos efeitos observados, especialmente em emoções como medo e ansiedade.
Contudo, esse modelo tem dificuldade em explicar os efeitos de nomear emoções como tristeza ou raiva, que nem sempre envolvem incerteza.
4. Conversão simbólica
Outro caminho é o da conversão simbólica: transformar um estímulo emocional em linguagem abstrata. Isso pode gerar distanciamento psicológico e desativar respostas emocionais intensas.
Estudos mostram que rotular estímulos com categorias amplas (ex.: “humano”, “animal”) pode produzir efeitos similares aos da nomeação afetiva, sugerindo que a abstração por meio da linguagem é parte do processo regulador.
Qual a eficácia de nomear emoções?
Os estudos mostram que o modo como a nomeação é feita importa. Quando os participantes recebem rótulos prontos para escolher, os efeitos são mais imediatos. Já quando precisam gerar as palavras por conta própria, os efeitos podem demorar mais a aparecer e, às vezes, até aumentar a ativação emocional no momento inicial.
Esse padrão também é visto em práticas como a escrita expressiva: traz benefícios a longo prazo, mas pode ser emocionalmente difícil no começo.
Outro fator relevante é o nível de intensidade emocional. Diante de emoções muito intensas, algumas pessoas preferem estratégias como distração. Talvez, nesses casos, nomear emoções funcione melhor como uma etapa complementar, ou como uma prática contínua para aumentar a tolerância emocional ao longo do tempo.
Há também uma dimensão individual. Pessoas com mais clareza emocional, ou seja, que conseguem reconhecer com precisão o que estão sentindo, tendem a se beneficiar mais do processo de nomear emoções. Por outro lado, para quem tem menos clareza emocional, o fornecimento de rótulos pode facilitar o início desse processo.
Conclusão: nomear emoções como ferramenta terapêutica e cotidiana
Nomear emoções é mais do que um exercício de autoconhecimento. É uma prática simples, acessível e cientificamente validada de regular emoções sem precisar controlá-las ativamente. Isso a torna especialmente útil em contextos terapêuticos, escolares, familiares ou mesmo no dia a dia de quem busca mais equilíbrio emocional.
Por ainda ser uma área emergente da psicologia e da neurociência, há muito a ser explorado: os limites do efeito, as melhores formas de aplicá-lo, as diferenças entre rotular sentimentos próprios e alheios, e como integrá-lo com outras estratégias.
Mas o que já sabemos é poderoso: ao colocar sentimentos em palavras, estamos (muitas vezes sem perceber) sinalizando ao nosso cérebro que já começamos a processá-los. E isso, por si só, já muda tudo.
Referência
Torre, J. B., & Lieberman, M. D. (2018). Putting Feelings Into Words: Affect Labeling as Implicit Emotion Regulation. Emotion Review, 10(2), 116–124. https://doi.org/10.1177/1754073917742706