Nos últimos anos, o número de diagnósticos de autismo aumentou significativamente, o que levanta questões sobre a ampliação dos critérios diagnósticos e suas consequências.
Um estudo recente de Bertelli, Boniotti e Scior (2024) discute essa expansão do espectro e os impactos que isso pode ter na clínica, na pesquisa e na alocação de recursos.
Se, por um lado, essa maior visibilidade do autismo possibilita que mais pessoas tenham acesso a suporte e intervenções adequadas, por outro, há um risco de superdiagnóstico, no qual traços isolados de personalidade ou dificuldades específicas acabam sendo interpretados como autismo sem um prejuízo clínico significativo.
Esse fenômeno pode gerar desafios tanto para a comunidade autista quanto para os profissionais de saúde, tornando essencial uma avaliação criteriosa.
O perigo do autodiagnóstico
O autodiagnóstico tem se tornado uma prática comum, especialmente com o aumento do acesso a informações sobre o espectro autista nas redes sociais. Muitas pessoas que se identificam com características do TEA buscam explicações para seus desafios e acabam utilizando questionários online e relatos pessoais como base para concluir que estão dentro do espectro.
No entanto, o estudo alerta que muitos traços associados ao autismo, como dificuldades sociais, rigidez comportamental e padrões repetitivos, também estão presentes em outras condições psiquiátricas, como TOC, transtornos de ansiedade, esquizofrenia e transtornos de personalidade.
Além disso, o modelo dos Big Five da psicologia da personalidade sugere que características como baixa extroversão e baixa abertura a novas experiências podem ser confundidas com um “autismo subclínico”.
Isso significa que nem toda pessoa que apresenta dificuldades sociais ou padrões repetitivos necessariamente está no espectro. Quando questionários de triagem e autoavaliações são usados sem um aprofundamento clínico, há um risco de diagnósticos errôneos, levando a tratamentos inadequados e até mesmo a uma medicalização desnecessária.
O diagnóstico de autismo deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar, considerando não apenas a presença de traços, mas também o impacto funcional na vida da pessoa. Uma avaliação cuidadosa evita que pessoas que não estão no espectro sejam diagnosticadas erroneamente, ao mesmo tempo que garante que aqueles que realmente precisam de suporte o recebam de maneira adequada.
Então vamos entender esse processo?
O que é o Autismo?
Antes de falar do diagnóstico, precisamos falar sobre o autismo e seus sinais. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento que afeta a comunicação, a interação social e o comportamento. Os sinais do autismo costumam aparecer na primeira infância e variam amplamente de pessoa para pessoa, o que justifica o termo “espectro”.
Principais características do autismo
- Dificuldades na interação social (como manter contato visual e compreender emoções).
- Comunicação diferente ou atípica, incluindo atraso na fala ou uso de linguagem incomum.
- Padrões de comportamento repetitivos e restritos, como ecolalia (repetição de palavras ou frases), movimentos estereotipados e interesse intenso por um tópico específico.
- Sensibilidades sensoriais, que podem levar a reações exageradas a sons, luzes e texturas.
Como o diagnóstico de autismo é feito?
O diagnóstico de autismo não se baseia em um exame de imagem ou teste laboratorial, mas sim em uma avaliação clínica detalhada realizada por especialistas.
1. Observação dos sinais precoces
Os primeiros sinais do autismo geralmente aparecem antes dos 3 anos. Alguns sinais que os pais podem observar incluem:
- Falta de contato visual consistente.
- Pouco interesse em interagir com outras crianças.
- Ausência de gestos comunicativos, como apontar ou acenar.
- Dificuldade em compartilhar interesses.
2. Triagem inicial
Muitos pediatras utilizam questionários de triagem para identificar se uma criança pode estar no espectro. O M-CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers) é um dos mais utilizados para crianças de 16 a 30 meses.
3. Avaliação multidisciplinar
Se houver suspeita de TEA, a criança é encaminhada para uma avaliação detalhada com especialistas, que podem incluir:
- Neuropediatras.
- Psiquiatras infantis.
- Psicólogos especializados.
- Fonoaudiólogos.
Os especialistas utilizam critérios estabelecidos pelo DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), que define o TEA como uma condição com dois grupos principais de sintomas:
- Dificuldades persistentes na comunicação e na interação social.
- Padrões de comportamento, interesses ou atividades repetitivas e restritas.
4. Testes Complementares
Para auxiliar no diagnóstico, podem ser aplicadas ferramentas padronizadas, como:
- ADOS-2 (Autism Diagnostic Observation Schedule – 2nd Edition)
- ADI-R (Autism Diagnostic Interview – Revised)
Esses instrumentos ajudam a avaliar os comportamentos da criança de maneira estruturada e padronizada.
Diagnóstico de autismo em adultos
Embora o autismo seja frequentemente diagnosticado na infância, muitos adultos só recebem um diagnóstico tardio, especialmente em casos de autismo leve.
Fatores como adaptação social e o desconhecimento sobre o espectro podem atrasar a identificação. No diagnóstico em adultos, o foco está na história de desenvolvimento, dificuldades sociais e padrões de comportamento.
O que fazer após o diagnóstico?
Receber um diagnóstico de autismo pode trazer muitas dúvidas. O mais importante é buscar informação e apoio, além de procurar intervenções adequadas que promovam o desenvolvimento, a autonomia e garantam o bem estar.
Algumas intervenções mais indicadas são:
- ABA com Estratégias Naturalistas.
- Fonoaudiologia.
- Terapia Ocupacional.
Outra dica é criar uma rede de apoio é essencial, pois o suporte familiar e o acesso a profissionais especializados fazem toda diferença no desenvolvimento da pessoa autista. Além disso, entender os direitos garantidos por lei é fundamental, como por exemplo a Lei Berenice Piana (12.764/2012), que reconhece o TEA como uma deficiência para efeitos legais e providencia acessibilidade para a pessoa autista.
Conclusão
O diagnóstico de autismo é um passo fundamental para garantir que a pessoa autista tenha acesso a recursos e suporte adequados.
Seja na infância ou na vida adulta, uma avaliação detalhada e feita por profissionais capacitados é essencial para evitar erros diagnósticos e garantir que cada pessoa receba o suporte correto para seu desenvolvimento e qualidade de vida.
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Referência
BERTELLI, Marco O.; BONIOTTI, Veronica; SCIOR, Katrina. Is it still autism? The increasing broadening of the autism spectrum. Autism Research. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39639429/.