Produzida em grandes quantidades durante o desenvolvimento fetal e também presente no cérebro adulto, a Reelin é essencial para a migração dos neurônios, a formação das camadas do córtex cerebral e o fortalecimento das conexões sinápticas. Alterações em sua produção, função ou estrutura vêm sendo associadas a uma série de condições neurológicas, incluindo o Transtorno do Espectro Autista (TEA).
O que é Reelin e por que ela é importante?
Reelin é uma glicoproteína codificada pelo gene RELN, localizado no cromossomo 7q22. Durante a formação do cérebro, ela atua como uma espécie de “GPS” neuronal, guiando os neurônios até seus lugares corretos. No cérebro adulto, continua importante para a plasticidade sináptica e a cognição.
Estudos em modelos animais, como o camundongo reeler (com mutação no RELN), mostraram que a ausência ou deficiência de Reelin leva a desorganização cortical, anomalias no cerebelo e alterações comportamentais. Em humanos, evidências vêm se acumulando de que mutações ou padrões atípicos de expressão da Reelin podem contribuir para o desenvolvimento do autismo.
Reelin e o autismo: o que diz a ciência?
Os estudos genéticos sobre o RELN trazem resultados diversos. Algumas análises mostraram uma maior frequência de variantes específicas, como o polimorfismo rs362691, em indivíduos autistas. Outras investigações analisaram repetições anômalas de trinucleotídeos (como os GGC repeats no 5′UTR do gene), sugerindo que esse padrão pode afetar a expressão da proteína e aumentar o risco para o TEA.
No entanto, em análises mais recentes, como a publicada por Hernández-García e colaboradores, mostraram que, isoladamente, essas variantes não têm uma associação estatisticamente significativa com o autismo. A diversidade genética entre populações pode explicar parte dessas divergências.
Mas não é apenas a genética que chama atenção. Uma descoberta recente revelou que cerca de 50% das crianças autistas analisadas apresentavam níveis de Reelin no plasma até 30 vezes maiores do que crianças neurotípicas da mesma idade. Os dados foram obtidos por meio de testes laboratoriais com amostras de sangue e confirmados por métodos como ELISA e Western Blotting.
Esse achado inverte a lógica anterior, na qual muitos estudos com adultos autistas apontavam menores níveis de Reelin no cérebro. A explicação pode estar em processos transitórios: a Reelin pode estar super expressa em algumas fases do desenvolvimento e depois sofrer um declínio, possivelmente mediado por mecanismos epigenéticos, como a metilação do gene RELN.
Subgrupos dentro do espectro: Reelin como marcador biológico?
Uma das descobertas mais provocadoras foi a identificação de dois subgrupos entre as crianças autistas: metade com níveis “normais” de Reelin e metade com níveis extremamente elevados. Não foram observadas diferenças comportamentais evidentes entre esses grupos, o que levanta a hipótese de que essas alterações biológicas poderiam refletir mecanismos patológicos diferentes dentro do espectro autista.
Se confirmada por estudos maiores, essa estratificação pode ajudar a personalizar intervenções no futuro, com base em perfis biológicos e não apenas comportamentais. Isso se alinha à ideia crescente de que o autismo não é um “único caminho”, mas sim várias rotas neurobiológicas que se expressam com sintomas semelhantes.
Questões em aberto
Embora as evidências sobre o papel da Reelin no autismo estejam crescendo, muitos pontos ainda precisam ser esclarecidos:
- A superexpressão de Reelin em crianças é causa, consequência ou mecanismo compensatório?
- O que regula a expressão da Reelin em diferentes fases da vida?
- Como fatores como sexo, hormônios e ambiente afetam esse processo?
- É possível intervir nesses níveis por meio de terapias, alimentação ou medicamentos?
Estudos em andamento tentam responder essas perguntas, além de testar a relação entre Reelin e comorbidades comuns no autismo, como epilepsia e TDAH.
Caminhos para o futuro
A história da Reelin no autismo ainda está sendo escrita. Mas o que já se sabe é que essa proteína representa uma ponte promissora entre a genética, o cérebro em desenvolvimento e os comportamentos que caracterizam o espectro autista.
Ao entender melhor o que ela faz, e o que acontece quando há excessos ou falhas no seu funcionamento, damos mais um passo rumo a diagnósticos mais embasados, tratamentos mais precisos e, acima de tudo, uma compreensão mais profunda sobre o autismo.
A ciência avança e, com ela, cresce a esperança de um futuro em que possamos não apenas rotular, mas compreender verdadeiramente cada criança, adolescente ou adulto autista em sua complexidade, singularidade e potencial!
Referências:
CUCHILLO-IBÁÑEZ, Inmaculada et al. Elevated Plasma Reelin Levels in Children With Autism. Frontiers in Cell and Developmental Biology, [S.l.], v. 8, p. 190, 2020. DOI: 10.3389/fcell.2020.00190. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7135852 Acesso em: 21 abr. 2025.
HERNÁNDEZ-GARCÍA, Ignacio et al. Association of Allelic Variants of the Reelin Gene with Autistic Spectrum Disorder: A Systematic Review and Meta-Analysis of Candidate Gene Association Studies. International Journal of Environmental Research and Public Health, [S.l.], v. 17, n. 21, p. 8010, 2020. DOI: 10.3390/ijerph17218010. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7663127 Acesso em: 21 abr. 2025.
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