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O que é neurodivergência?
Neurodivergentes são pessoas cujo funcionamento neurológico diverge do que é considerado típico. Isso inclui, por exemplo, pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), dislexia, TOD, e outros quadros.
Essas condições afetam diretamente a forma como o indivíduo processa estímulos, interage com o ambiente e organiza seu cotidiano. A neurodivergência não é uma doença, mas é uma forma de existir no mundo. E, como qualquer forma de existência, exige adaptações quando o ambiente é excludente.
O abismo entre o visível e o vivido
No Brasil, há uma valorização quase exclusiva do que pode ser medido, visto ou diagnosticado por laudos tradicionais. Essa lógica, sustentada pelo modelo médico da deficiência, desconsidera que limitações reais nem sempre são visíveis.
Pessoas com hipersensibilidade sensorial, dificuldades de regulação emocional ou sobrecarga cognitiva, como muitos autistas e TDAHs, convivem com prejuízos funcionais concretos. Mas, por não se encaixarem no estereótipo popular da pessoa com deficiência, têm vergonha de pedir adaptações ou são ignoradas quando pedem.
Vale sublinhar: esse comportamento não é culpa dos indivíduos, mas de um sistema que não reconhece a diversidade de modos de existir.
Quem é reconhecido como PCD no Brasil?
A legislação brasileira ainda não compreende que a deficiência pode ser relacional, como defende o Modelo Social da Deficiência, adotado por organismos como a ONU. Esse modelo entende que a deficiência não está apenas na pessoa, mas na relação entre ela e um ambiente não adaptado.
Assim, uma pessoa disléxica que não tem acesso a leitura em voz alta, ou um adulto que sofre com excesso de ruído no escritório, estão em desvantagem em quesito de solicitações de adaptações necessárias, quando essas não têm uma deficiência visível ou “formalizada” por laudo pericial.
Como comparação, hoje, uma pessoa que perdeu parte do dedo é enquadrada como PCD e pode acessar cotas e adaptações sem julgamentos tão grandes. Essa incoerência revela o quanto nosso sistema ainda reconhece mais o que pode ser visto do que o que é vivido.
Por que o mercado de trabalho ainda exclui?
Pessoas neurodivergentes enfrentam desafios imensos para permanecer no mercado de trabalho: ambientes barulhentos, comunicação não adaptada, excesso de estímulos, jornadas inflexíveis.
Muitos evitam pedir adaptações por medo de parecerem frágeis ou problemáticos. Isso leva à sobrecarga, exaustão e crises que poderiam ser evitadas com pequenos ajustes, como iluminação mais branda, permissão para fones de ouvido ou pausas regulares.
Apesar de alguns avanços internacionais, o Brasil ainda não possui diretrizes sólidas para a inclusão de neurodivergentes que ainda não se enquadram como PCD nas cotas de trabalho e/ou estudo. Apesar dos direitos adquiridos pelos TEAs, faltam políticas públicas baseadas em ciência e dados para outros neurodivergentes.
Quando a falta de diagnóstico vira sentença
A exigência de laudos formais para acessar direitos é grande fator de exclusão. Pessoas que não têm acesso a diagnóstico, ou que não conseguem cumprir os critérios rígidos para serem classificadas como PCD, ficam fora de qualquer rede de apoio, mesmo enfrentando barreiras tão reais quanto àquelas que não têm algum membro.
Essa lógica desconsidera a complexidade da experiência humana. A ausência de uma “etiqueta” de deficiência não anula a existência da dor, do sofrimento ou da limitação funcional. O Estado precisa reconhecer que corpo, mente e ambiente são interdependentes, e que o sofrimento é legítimo, mesmo que não tenha um laudo em anexo.
O papel das terapias e intervenções contínuas
Intervenções como ABA com estratégias naturalistas, fonoaudiologia e psicoterapia não devem ser encaradas como “luxo”, mas como parte de um direito básico à saúde e qualidade de vida. Quando contínuas e personalizadas, essas terapias:
- Ajudam a pessoa neurodivergente a compreender e regular melhor seu comportamento;
- Reduzem o sofrimento emocional e físico;
- Facilitam a convivência em ambientes sociais, escolares e profissionais;
- Diminuem o risco de crises, burnout e afastamentos laborais.
Infelizmente, no Brasil prático, o acesso público e contínuo a esse tipo de cuidado é extremamente penoso, o que perpetua desigualdades e sobrecarga familiar.
O que a ciência já entendeu
Enquanto o Brasil engatinha, estudos internacionais mostram os benefícios concretos da inclusão neurodiversa:
- Um estudo publicado no Journal of Neurodiversity in the Workplace mostrou que empresas com políticas inclusivas têm maior retenção de funcionários ND e ambientes mais saudáveis (SAGE Journals, 2025).
- Pesquisas na MDPI Sustainability revelam que intervenções baseadas no Modelo Social da Deficiência aumentam o bem-estar, engajamento e produtividade de profissionais neurodivergentes (MDPI, 2024).
- Um artigo publicado na ScienceDirect em 2025 confirma que características sensoriais e emocionais de pessoas com TEA e TDAH impactam diretamente seu funcionamento laboral — e que adaptações simples são eficazes para melhorar seu desempenho (ScienceDirect, 2025).
Esses dados são valiosos — mas quase não se encontram estudos equivalentes no Brasil. Falta incentivo à pesquisa, falta reconhecimento institucional e falta escuta às vozes NDs.
Caminhos para uma política pública mais justa
Para garantir o direito de existir com dignidade, o Brasil precisa urgentemente:
✅ Reconhecer neurodivergência como critério legítimo de adaptação, focando em garantir os benefícios na qualidade de vida que pequenas alterações no espaço podem proporcionar;
✅ Incluir TEAs, TDAHs, disléxicos e outros NDs nas discussões sobre cotas e acessibilidade;
✅ Colocar em prática sistemas integrados de avaliação funcional, que considerem o impacto real no cotidiano;
✅ Garantir de verdade o acesso contínuo a intervenções baseadas em ciência
✅ Aproximar as políticas públicas das evidências científicas, superando estigmas e estereótipos.
Ignorar a neurodiversidade é negar a realidade de milhões de brasileiros. Enquanto políticas públicas continuarem baseadas em um modelo ultrapassado, que valoriza mais o que pode ser visto do que o que é vivido, continuaremos produzindo sofrimento, exclusão e injustiça.
📣 É hora de ouvir a ciência e olhar para a pluralidade do ser humano.
Se você é neurodivergente, ou conhece alguém que é, compartilhe este artigo! E se você trabalha com saúde, educação ou políticas públicas, ajude a mudar essa realidade com a gente.
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