Pesquisas sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) avançaram significativamente nos últimos anos, e um estudo recente de Leblond et al. (2024) traz novas descobertas sobre a influência da genética no espectro autista. A pesquisa mostra que o autismo não tem uma única causa genética, mas sim diferentes combinações de variantes que impactam cada indivíduo de forma única.
Essas descobertas reforçam a ideia de que o autismo não deve ser visto apenas como um transtorno clínico, mas também como uma manifestação da neurodiversidade.
Compreender essa complexidade genética pode ajudar na formulação de diagnósticos mais precisos e no desenvolvimento de intervenções personalizadas que respeitem as necessidades individuais de cada pessoa no espectro.
A Genética no Autismo: dois padrões distintos
De acordo com Leblond et al. (2024), a base genética do autismo pode ser dividida em dois principais padrões. O primeiro é a de variantes raras e de grande impacto, presentes em até 30% das pessoas com TEA que apresentam deficiência intelectual (DI), atrasos significativos na fala e mobilidade motoras, além das convulsões.
Essas variantes afetam genes responsáveis por funções cerebrais fundamentais, como a remodelação da cromatina (processo que regula a expressão genética) e as proteínas sinápticas, que influenciam a conectividade entre os neurônios.
Pessoas autistas com essas variantes costumam ter um impacto significativo na sua trajetória cognitiva e funcional, necessitando de maior suporte principalmente nas atividades do cotidiano.
Já o segundo grupo é o de múltiplas variantes comuns, que estão distribuídas na população em geral e não são exclusivas de pessoas atípicas, por exemplo, também foram identificadas também em pessoas com TDAH, transtornos depressivos e até em pessoass com maior desempenho acadêmico e cognitivo (superdotação).
Isso sugere que algumas características do espectro podem estar ligadas a perfis genéticos mais amplos, e não exclusivamente ao autismo. Por isso alguns sinais podem ser confundidos com o TEA.
Isso mostra que a genética do autismo é complexa e não segue um padrão único. Enquanto algumas pessoas autistas têm alterações genéticas raras e impactantes, outras apresentam um conjunto de variações que se sobrepõem a outras condições neuropsiquiátricas.
Neurodiversidade e diagnóstico: o que essa pesquisa nos ensina?
A grande diversidade genética no autismo reforça a necessidade de um olhar mais amplo e multidisciplinar sobre o diagnóstico; principalmente em evitar diagnósticos “simplistas”.
Nem todas as pessoas que apresentam sinais muitas vezes associados ao autismo necessariamente se enquadram em um diagnóstico formal. O estudo aponta que traços autistas podem estar presentes em diferentes condições psiquiátricas, e a diferenciação entre elas é essencial para um diagnóstico preciso.
Ao entender que a genética influencia o espectro de diferentes formas, podemos oferecer intervenções mais alinhadas com o perfil de cada pessoa. Algumas precisarão de maior suporte clínico e terapêutico, enquanto outras podem se beneficiar de acomodações específicas no ambiente educacional e profissional.
Além disso, a pesquisa propõe que o desenvolvimento de novas abordagens deve ser participativo e multidisciplinar, envolvendo não apenas profissionais da saúde e cientistas, mas também pessoas autistas e suas famílias na formulação de diretrizes e tratamentos mais inclusivos.
A genética explica tudo?
Embora as descobertas genéticas tragam informações valiosas, a experiência autista não pode ser reduzida apenas à genética. O estudo ressalta que o desenvolvimento de cada pessoa no espectro é influenciado por fatores ambientais, sociais e experiências de vida.
Isso significa que, mesmo que a genética forneça pistas importantes sobre as bases do autismo, ela não determina completamente a trajetória de um indivíduo. O suporte adequado, as oportunidades e as acomodações feitas ao longo da vida são igualmente fundamentais para garantir que cada pessoa autista possa desenvolver seu potencial da melhor maneira possível.
Conclusão
A interseção entre ciência, genética e neurodiversidade está moldando uma nova visão sobre o autismo. O estudo de Leblond et al. (2024) nos mostra que o autismo não pode ser reduzido a um único perfil genético, e que cada pessoa no espectro tem uma trajetória única.
Essas descobertas reforçam a importância de diagnósticos cuidadosos, suporte personalizado e políticas inclusivas, para que o autismo seja compreendido além do modelo biomédico tradicional.
Referência
LEBLOND, Claire S.; ROLLAND, Thomas; BARTHOME, Eli; MOUGIN, Zakaria; FLEURY, Mathis; ECKER, Christine; BONNOT-BRIEY, Stéf; CLIQUET, Freddy; TABET, Anne-Claude; MARUANI, Anna; CHAUMETTE, Boris; GREEN, Jonathan; DELORME, Richard; BOURGERON, Thomas. A Genetic Bridge Between Medicine and Neurodiversity for Autism. Annual Review of Genetics, 2024. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39585908/.