A chance de ter um segundo filho autista é uma preocupação muito comum entre pais que já têm um pequeno no espectro e pretendem expandir a família. E esta é uma dúvida importante, uma vez que existem diversos fatores – emocionais, estruturais e financeiros – relacionados ao Transtorno do Espectro Autista (TEA) que podem influenciar essa decisão.
Antes de mais nada, devemos destacar que é quase impossível afirmar, com precisão, qual a probabilidade de uma família específica ter um segundo filho autista. Os números apresentados neste artigo foram extraídos de pesquisas realizadas com uma parte da população, para compreender tendências e padrões sobre a prevalência do autismo entre irmãos. Sendo assim, é fundamental lembrar que eles não são uma regra que vale para todos, combinado?
Para uma melhor compreensão dos dados que a ciência tem apresentado sobre as chances do segundo filho ter autismo, é preciso entender, antes, os fatores de risco atrelados ao desenvolvimento do transtorno.
O que causa o autismo?
O autismo é causado pela somatória de fatores genéticos e/ou ambientais. Um estudo publicado pelo JAMA Psychiatry em 2019 concluiu que 97% a 99% dos casos de TEA têm origem nos genes, sendo que 81% deles são hereditários.
A pesquisa, que é uma das maiores e mais recentes da área, também sugere que apenas 1% a 3% dos casos possuem causas ambientais, provavelmente relacionadas à idade paterna ou à exposição materna a agentes com impacto intrauterino, como drogas, infecções, traumas durante a gestação e até mesmo a prematuridade.
Vale ressaltar, mais uma vez, que esses fatores específicos não são uma regra absoluta. Há casos de crianças prematuras que não desenvolvem o transtorno. Enquanto isso, outros bebês neste mesmo contexto podem nascer autistas, a partir da soma de fatores genéticos à prematuridade.
Então, é possível ter mais do que um filho autista?
Esta é uma pergunta difícil de se responder com exatidão, já que a origem e a manifestação do autismo em cada indivíduo é desencadeada por inúmeros fatores diferentes. Entretanto, existem alguns estudos que podem nos ajudar a entender a prevalência do autismo entre irmãos.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Mind em 2011, foi constatado que irmãos mais novos de pessoas autistas têm 7 vezes mais probabilidade de também nascerem com o transtorno.
Esta mesma análise afirma que, quando um mesmo casal tem um filho no TEA, existe um risco de 20% de ter uma segunda criança com o transtorno (25% se for um menino e 11% se for uma menina). Quando o bebê possui mais de um irmão mais velho no espectro, essa probabilidade aumenta para 32%.
Mayra Gaiato, fundadora do Instituto Singular, psicóloga e neurocientista especialista em TEA, descreve que a presença de outros transtornos do desenvolvimento, como o TDAH ou deficiência intelectual, afeta a probabilidade de um segundo filho desenvolver o autismo, pois existem genes em comum entre eles.
“Há uma correlação genética entre esses transtornos. Estamos falando de um conjunto de centenas de genes, e alguns deles são os mesmos, o que aumenta a probabilidade de ter outro indivíduo com algum transtorno se já existirem casos na família”, explica.
Há diferenças entre meninos e meninas?
De acordo com um estudo elaborado por pesquisadores da Universidade de Harvard, sim. Em 2017 foi realizada uma combinação entre os dados da prevalência de autismo entre irmãos mais novos de autistas e a incidência do transtorno por gênero.
A análise concluiu que, se o primogênito for uma menina e o segundo filho for um menino, as chances são de 16,7%. No caso de ambas as crianças serem meninas, o risco do segundo filho ter autismo diminui para 7,6%. Se o primogênito for um menino e o segundo filho for uma menina, as chances dela ser autista são de 4,2%. Já quando ambos os filhos são meninos, as chances são de 12,9%.
Tem como prevenir ou diminuir o risco de ter um segundo filho autista?
O TEA é multifatorial, com cerca de 97% das causas sendo atribuídas a fatores genéticos e hereditários. Devido a essa complexidade, estabelecer medidas concretas para a prevenção do transtorno em outros filhos é um desafio quase impossível.
“Os pais precisam ter em mente que a chance de termos uma criança com algum transtorno é sempre grande. Isso porque há o risco do bebê nascer com uma das diversas síndromes que existem, não só o autismo”, alerta Mayra.
Embora não existam medidas específicas para prevenir o autismo em um segundo filho, as mães podem consultar seus obstetras sobre questões relacionadas à suplementação de nutrientes e controle de hábitos durante a gravidez. Essas precauções podem ser benéficas para a saúde geral do bebê e para o desenvolvimento neurológico, mas não necessariamente anulam as chances de o segundo filho ser autista.
Quais questões considerar antes de uma segunda gravidez com possibilidade de autismo?
Mayra reforça que, antes de planejar a segunda gravidez, é importante que os pais avaliem questões para além das estatísticas. Afinal, uma criança autista requer recursos para alcançar seu máximo potencial e ter uma vida feliz.
”Isso envolve verificar se contam com uma rede de apoio sólida e se possuem uma base emocional adequada. Conviver com o autismo é uma tarefa desafiadora e intensa. Além disso, é importante considerar os recursos disponíveis, não apenas financeiros, mas também se a região onde vivem oferece acesso a equipes especializadas no tratamento do autismo”, diz a especialista.
É preciso lembrar que, mesmo se o segundo pequeno não tiver nenhum diagnóstico ou atraso no desenvolvimento, o mais velho ainda vai precisar de suporte para se desenvolver. Por isso, quando o casal já tem um pequeno autista, é essencial avaliar esses recursos antes de tentar uma nova gravidez, para compreender melhor sua realidade e as possibilidades de auxiliar ambas as crianças no que for preciso.
Nesse sentido, Mayra ressalta que existem várias possibilidades e desafios que acompanham a criação de uma criança. “Ao longo da vida, podem surgir várias questões comportamentais e neurológicas, mesmo que a criança não nasça com autismo ou síndromes específicas. Esperar que tudo seja perfeito e impecável só levará a uma vida de sofrimento”.
Um conselho de Mayra Gaiato para as famílias
Avaliar a chance de ter um segundo filho autista quando já se tem um pequeno no espectro realmente é fundamental para se planejar e garantir a qualidade de vida para toda a família. Mas, mais importante do que se preocupar com a probabilidade de uma criança ter ou não o transtorno, os pais devem ter expectativas realistas. Nenhuma família, independente de diagnósticos, será perfeita. O essencial, no entanto, é que ela seja feliz, como adverte Mayra:
“Acredito que devemos ter em mente que ter filhos é uma oportunidade de expandir nossa capacidade de amar. E a verdadeira felicidade não está apenas em ter uma criança sem transtornos ou com menos alterações”, diz.
Por fim, a neurocientista aconselha as famílias que vivem esse contexto. “As pesquisas mostram que cuidar de alguém ou de algo nos torna mais felizes. Quando ajudamos no desenvolvimento de outras pessoas, experimentamos uma sensação de plenitude e felicidade. Podemos alcançar essa sensação independentemente do tipo de transtorno ou dificuldade que a criança possa ter. Portanto, é importante compreender que ter um filho com suas peculiaridades e desafios não é um obstáculo para a felicidade, mas uma oportunidade de crescimento e amor incondicional”, conclui.
Quer saber mais sobre autismo? Confira o vídeo abaixo do canal do YouTube de Mayra Gaiato.
Referências:
- PALMER, N. et al. Association of sex with recurrence of autism spectrum disorder among siblings. JAMA Pediatrics, v. 171, n. 11, 2017.
- Ozonoff S, Young GS, Carter A, Messinger D, Yirmiya N, Zwaigenbaum L, et al. Recurrence risk for autism spectrum disorders: a baby siblings research consortium study. JAMA Pediatrics, 2011.
- Bai D, Yip BHK, Windham GC, et al. Association of Genetic and Environmental Factors With Autism in a 5-Country Cohort. JAMA Psychiatry, 2019